terça-feira, 30 de agosto de 2011

Estátuas e atitudes

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Dia desses Rodrigo me perguntava sobre livros dos quais eu tenho nostalgia. Curioso ele ter me perguntado isto justamente num dia em que eu tinha relido "Final de jogo", de Cortázar, conto do qual sempre me lembro com uma certa melancolia. Não sei ao certo o que tanto me impressionou nele desde que o li pela primeira vez. Provavelmente a atmosfera doméstica, lenta e quente, que envolve as personagens do conto numa espécie de torpor pós-almoço, que as faz dormitar facilmente sob um limoeiro no quintal. O fato de haver apenas personagens femininas (três meninas que ainda não completaram o ginásio e duas adultas, a mamãe e a tia) foi possivelmente outro ponto decisivo. Além, é claro, do jogo insólito praticado pelas chicas: fazer pose de estátua ou encarnar uma atitude à borda da linha do trem, para serem avistadas pelos viajantes no limite exato de uma curva que alcança os fundos de sua propriedade. Então respondi à sua pergunta. Respondi com Cortázar e Felisberto Hernández, com Katherine Mansfield e J. D. Salinger, com Fitzgerald e William Faulkner (sim, ele também achou estranho que se quisesse viver em um livro de Faulkner, mas lhe lembrei de alguma passagem de O Som e a Fúria, quando, antes da tragédia, ainda se tem a esperança [sempre vã] de que ela não sobrevenha). E percebi, com a resposta, que em geral os livros dos quais tenho nostalgia são também os meus livros preferidos, pois o meu gosto literário nunca passa ao largo de uma certa identificação ou de uma relação que se desenvolve mais ou menos afetivamente. O que quer dizer que eu não consigo julgar os livros que leio segundo critérios técnicos, e acabo fazendo minhas eleições quase sempre baseando-me em um suposto temperamento da obra. Eu me lembrava, por exemplo, de gostar muito de um conto de Felisberto Hernández chamado "O Balcão". Não me lembrava de nada de seu argumento, apenas que pelo vitral de um balcão de inverno a luz do sol se deixava filtrar em reflexos verdes e que em uma casa com um jardim sombrinhas coloridas ficavam abertas como flores. Isso era tudo o que eu lembrava do conto, e também eram as imagens das quais eu tinha nostalgia. Talvez porque essas sejam coisas das quais eu gostaria de estar cercada. Relendo o conto hoje, reforcei meu gosto por ele, e recordei a relação afetuosa e de todo modo não sadia entre a dona e estes seus objetos. Do mesmo modo, do conto "O Cavalo Perdido", também de Felisberto Hernández, me lembro apenas do cheiro das magnólias. Acho que no conto há um menino que toma lições de piano e no caminho até a casa da professora as magnólias estão carregadas e cheiram bem. Isto é tudo o que me lembro, além de que em algum momento aparece um cavalo perdido na rua, e também neste momento o cheiro das magnólias deve ser forte. Acho que também as plantas, ou pelo menos as flores, me atraem nos contos. Me lembro do conto "Aloé", de Katherine Mansfield, no qual há uma casa (na casa tudo está em desordem, by the way, a família que ali mora, ou se hospeda, não vai bem, pelo que me lembro) em cujo jardim há uma planta, muito feia, que dizem que dá uma flor a cada cem anos, de beleza excepcional. No conto a flor não se abre, não chega sequer a brotar, mas isso já é suficiente pra que eu me lembre sempre dele. 
mmmm
Mas, sendo um pouco mais objetiva, ofereço 4 contos que responderiam à pergunta de Rodrigo. Claro, poderia responder com romances, com outros autores, há muitos. Mas, por enquanto, estes: "Final del juego", de Cortázar. "Nadie encendía las lámparas", de Felisberto Hernández (este vale basicamente pelo momento em que a frase-título aparece no final do texto). "A Casa de bonecas", de Katherine Mansfield (este vale a título de ilustração. A bem dizer caberia toda uma antologia dela aqui). "Um dia ideal para os peixes-bananas", de Salinger (este dispensa comentários).

2 comentários:

  1. Eu nunca li esse conto da Katherine Mansfield, você lembra em qual livro ele estava?

    Um beijo

    Francine

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  2. Oi, Francine,

    Os dois estão numa coletânea que a Cosac & Naify lançou em 2005, mas o "casa de bonecas" pode ser lido no link sobre o título, embaixo. Agora estou até na dúvida se o nome do conto é "Aloé" ou se este é apenas o nome do livro em que o conto de que falo foi lançado, em 1930. De todo modo, se na coletânea da cosac&naify não houver o conto "O Aloé", eu estaria me referindo ao conto "Prelúdio" (olha a confusão, estou sem os livros no momento rs).

    beijo,
    Clarisse.

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