Estou há quase quinze dias em São Paulo, e essa cidade tem coisas surpreendentes. Hoje pela manhã, no ônibus, uma senhora nisei fazia tricô tranquilamente sentada em seu assento baixo. Eu e muitas outras pessoas estávamos em pé, pois o ônibus estava lotado. Era pouco mais de oito horas e provavelmente a maioria daquelas pessoas estava indo trabalhar, preocupadas com o horário e o trânsito lento. E o tricô daquela senhora me fez lembrar os cachecóis que eu e Rodrigo ganhamos de uns amigos paulistas que nos receberam e se preocuparam com a nossa recepção ao frio. Esses cachecóis, presentes tão inesperados e bem-vindos, foram confeccionados pela mãe de um desses nossos amigos, provavelmente em um tear manual, embora primeiramente eu tivesse pensado que eles eram de tricô. O que é curioso, porque eu tinha pensado em retribuí-los exatamente com alguma peça feita por minha mãe em seu tear manual (artefato que eu considerava até então totalmente peculiar a minha família), instalado em nossa casa, em Feira de Santana, Bahia. Apesar de meu desapontamento inicial, ao descobrir que aquilo que eu julgava uma novidade e tanto não seria mais do que o trivial para esses meus novos amigos, percebo agora o inusitado da coincidência. São Paulo não é o monstro que se pensa. Dentro de seus lares, e até mesmo no espaço público, como se vê, gente simpática está tecendo os fios que Penélope desfez.
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São Paulo é quase como um outro lugar qualquer: tem o rapaz peruano que ouve The Smiths o tempo todo e não fala com ninguém mas tem também as mãos que te oferecem cachecóis pro frio.
ResponderExcluirTratando-se do lugar que estamos falando, talvez, o frio seja não só este, sensorial. Mas, mais severo, aquele frio que trazemos por dentro e que, por sorte, pode ser aplacado também pelas mesmas mãos que estendem cachecóis.
Desde já, deixo explícito aqui os meus ciúmes em relação aos seus novos amigos.
Acho incrível como existem algumas cidades que se tornam impossíveis de não serem alvo de comentários mais demorados de quem passa por lá.
ResponderExcluirSão Paulo é, com certeza, uma dessas cidades. Tentar ficar indiferente a ela, caso passe lá alguns dias, é um projeto tão ambicioso - no pior sentido da palavra - quanto inútil.
Há alguns anos que venho nutrindo a "esperança" de crer que Feira de Santana também é assim. De início achei exagero da minha parte, mas hoje vejo, em muitas pessoas, que a Princesa do Sertão também tem essa característica. Feira e Sampa são aquelas cidades que certamente fariam parte do livro profético de Italo Calvino.
Às vezes fico até com um certo medo ao perceber que, nos dias que correm, falar de uma cidade é muito mais recorrente do que falar de outros temas, incluindo aliás as roças e as cidadezinhas e vilas. Um exemplo bacana é o velho Capão, lugarejo onde as pessoas comentam, em geral, somente quando pretendem para lá viajar ou falar de viagens que fizeram (ou seja, torna-se uma espécie de cartão-postal falado). Mas não se fala de Feira ou São Paulo (e tantas outras) dessa forma: aqui, estas cidades tornam-se entranhadas na nossa alma. Fiquei na dúvida em qual palavra usar aqui, se "alma", "espírito" ou "coração", e creio que existe alguma espécie de fascínio em saber que as cidades nos despertam tantas incertezas - banais e profundas.