sábado, 10 de março de 2012

"Caminhos do espelho", Alejandra Pizarnik

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Desenho de Tâmara Lyra
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Gostaria de ter postado este poema no dia da mulher. Não por algum motivo especial, talvez apenas pra apresentar uma espécie de homenagem (digo "espécie" porque não se trata de uma homenagem, não tem porque ser homenagem) diferente daquelas representadas por botões de rosa vermelhos e comerciais de O Boticário. No entanto, por questões de obrigações estudantis e reformas no banheiro, isso não foi possível. O poema da poeta argentina Alejandra Pizarnik - de quem já falei aqui neste blog -, de todo modo, é de uma beleza imensa, que provavelmente eu não consegui manter na tradução. Suas imagens tem uma potência reveladora e desvelam um imaginário insólito que liga sua poética ao surrealismo. Como traduzi-lo era uma tarefa que me motivava já há algum tempo, dei um jeitinho de consultar uns dicionários ontem à tarde e posto aqui o resultado. O poema se encontra no livro Extracción de la piedra de la locura, de 1968. 
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CAMINHOS DO ESPELHO    
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I
mmmE sobretudo olhar com inocência. Como se não acontecesse nada, o que é certo.

II
mmmMas a ti quero observar até que teu rosto se afaste de meu medo como um pássaro da borda afiada da noite.

III
mmmComo uma menina de giz cor-de-rosa em um muro muito velho subitamente apagada pela chuva.

IV
mmmComo quando se abre uma flor e revela o coração que não tem.

V
mmmTodos os gestos de meu corpo e de minha voz para fazer de mim a oferenda, o ramo que abandona o vento na soleira.

VI
mmmCobre a memória de tua cara com a máscara da que serás e assusta a menina que foste.

VII
mmmA noite dos dois se dispersou com a névoa. É a estação dos alimentos frios.

VIII
mmmE a sede, minha memória é da sede, eu embaixo, no fundo, no poço, eu bebia, me lembro.

IX
mmmCair como um animal ferido no lugar que ia ser de revelações.

X
mmmComo quem não quer a coisa. Nenhuma coisa. Boca costurada. Pálpebras costuradas. Esqueci-me. Dentro o vento. Tudo fechado e o vento dentro.

XI
mmmAo negro sol do silêncio as palavras douravam.

XII
mmmMas o silêncio é certo. Por isso escrevo. Estou só e escrevo. Não, não estou só. Tem alguém aqui que treme.

XIII
mmmMesmo se digo sol e lua e estrela me refiro a coisas que acontecem a mim. E que desejava eu?
mmmDesejava um silêncio perfeito
mmmPor isso falo.

XIV
mmmA noite tem a forma de um grito de lobo.

XV
mmmDelícia de perder-se na imagem pressentida. Eu me levantei de meu cadáver, eu fui em busca de quem sou. Peregrina de mim, fui em direção à que dorme em um país ao vento.

XVI
mmmMinha queda sem fim à minha queda sem fim onde ninguém me aguardou pois ao olhar quem me aguardava não vi outra coisa que a mim mesma.

XVII
mmmAlgo caía no silêncio. Minha última palavra foi eu mas me referia à aurora luminosa.

XVIII
mmmFlores amarelas constelam um círculo de terra azul. A água treme cheia de vento.

XIX
mmmDeslumbramento do dia, pássaros amarelos na manhã. Uma mão desata as trevas, uma mão arrasta a cabeleira de uma afogada que não cessa de passar pelo espelho. Voltar à memória do corpo, hei de voltar a meus ossos doridos, hei de compreender o que diz minha voz.
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2 comentários:

  1. São versos cheios de beleza e muita força. Exatamente como a expressão da mulher que segura o peixe, na pintura de Tâmara. Lindos demais e inspiradores, Clarisse.

    Abraço,

    Lorena

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  2. Que bom te encontrar por aqui, Lorena.

    Um abraço,
    Clarisse.

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