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Me lembro que durante a minha infância era muito comum que as meninas ganhassem diários de presente. Não sei se a tradição persiste ainda hoje, mas tenho a impressão de que não. Nós os ganhávamos em qualquer ocasião: aniversário, amigo secreto, natal. Era um obviedade: alguém sempre ia ganhar um diário em algum momento do ano. Todas tínhamos vários diários e inclusive era comum repassar aqueles menos interessantes em outra ocasião a outra menina que certamente já tinha o seu bocado deles. Por causa disto - e também porque em geral os diários eram iguais: uma capa rosa ou rosa e azul com alguma figura meiga como um ursinho ou uma menininha sorrindo, e as páginas também todas rosas com a figura da capa em marca d'água - este era o tipo de presente idiota de se dar. Isso era durante o primário. Me lembro de ter tido essas centenas de diários durante a segunda e a terceira série, mas eu nunca os levava muito a sério, escrevia umas duas páginas e depois dava os usos mais variados aos caderninhos, arrancava suas páginas e mandava recados, ou simplesmente os abandonava. Em meu aniversário de 9 anos, no entanto, ganhei um diário especial. Pra começar, ele não era rosa. Ele não tinha um desenho na capa, mas uma fotografia. Suas páginas eram de cores e marcas d'água diferentes, uma mais linda que a outra. Até o cadeado era especial. Não era um cadeado vulgar, daqueles comuns de diário. Era um diário realmente muito lindo que a minha tia Grace me deu e pelo qual eu me apaixonei no primeiro momento. Acho que passei um tempo apenas admirando-o e planejando as coisas que iria escrever nele. Eu queria aproveitá-lo da melhor maneira possível. E eu o enchi de cabo a rabo. Me lembro de algumas páginas. A paixão por um ator de seriado de tv, uma briga na escola (uma menina tinha me chamado de cavalo durante uma partida de baleado - injustamente, claro), um elenco detalhado de quais eram as amigas e quais as minhas inimigas entre as colegas de classe, um relato de desentendimentos com minha mãe seguido de uma homenagem a ela, uns dois ou três poemas (os primeiros que escrevi, depois abandonei este hábito), flores secas e papéis dobrados colados. Eu guardei este diário. O que tive em seguida, ao contrário, passou por um processo de apagamento que consistiu em ter suas folhas afogadas em uma pia cheia de água, para que toda a tinta se borrasse e fosse impossível ler qualquer uma de suas palavras. Só então o joguei no lixo. Não era mais um diário, obviamente, era uma massa de papel amorfa pronta pra ser modelada. Mas não poderia ter feito isso com o primeiro. Ele era muito bonito e também muito inocente pra que eu o quisesse destruir assim. Então o conservei. Mas em algum momento ele se perdeu. Eu não poderia dizer quando.